ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
Um dos velhotes pergunta-me se já arranjei uma mulher para me limpar a casa e eu digo que não graças ao gajo da tasca que ficou encarregue do assunto e não me liga pevide, o palito entre os beiços ignora-me e serve-me outro à laia de tá bem já me tinhas dito, e o velho segue a conversa com uma pequena muito jeitosa russa que tem andado a meter papéis nas caixas dos correios. Como é que tu sabes disso ó velho mas o taberneiro com o pano enxota as migalhas para o chão e de escarninho e cotovelo no balcão gorduroso informa que o velhote é sabido, ligou para a pequena e contratou-a mas não foi para a limpeza quería que lhe desintupisse os canos só que a russa não foi na conversa, deu-lhe umas todas e ainda avisou a mulher. Batem as pedras do dominó e riem, soltam as placas das gengivas, rio, fazem-me rir, não com muita força mas fazem-me rir, serve-me outro que me quero rir mais preciso de rir e esquecer tudo e também preciso dessa russa que sabe o que quer e sabe por as coisas no sitio. O sebastião enche-se até um fio encarniçado sobrar e marcar o balcão de mármore amarelado pelas queimadelas do tempo e das beatas perdidas fora do cinzeiro, agarro-o e molha-me os dedos, sempre disse ruça de má pêlo quer casar e não tem cabelo esfrega o taberneiro, vou explicar que não é a mesma russa mas não me apetece e perdía-se a piada, vazo o copo e saio sem pagar intencionalmente.

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