ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
Tive um estranho sonho esta noite acho que foi um pesadelo, logo eu que raramente sonho, dizem que todos sonham podem é não se recordar, mas eu afirmo com propriedade que não sofro dessas coisas, felizmente não me perturbo com devaneios da mente adormecida e se os tenho é porque bebi demais ou o vinho era uma zurrapa, mas esta noite sacudiram-me imagens de África e a perturbação do chamamento acordou-me de coração disparado de tal modo que nem sabía onde estava. Ela de mãos estendidas pedia-me para regressar e a pele escura brilhava recortada no contraluz dos relâmpagos deitada ao meu lado, o branco do lençol na curva da anca sobressaía com a minha mão por cima dela, eu repetia que voltava, que voltava e ela sem voz só pedia, pedia, uma coisa sem fim que se repetia até que estourou um trovão e eu acordei. Lembro-me dela com uma nitidez impressionante, cada detalhe do rosto, do corpo todo e do som da voz, do ciciar da voz quando cantarolava a lavar a louça, nunca percebi porque cantava quando lavava a louça, porque se calava num silêncio profundo e sem se escutar sequer a respiração quando nos deitávamos, era tranquila e feliz mas não sei porquê fazia-me tranquilo e imensamente triste, uma tristeza calada, profunda e interior como nunca havia conhecido. E nem as noites de lá afastavam a tristeza que se cavava cá dentro, simplesmente porque eu gostava, cada vez gostava mais. E agora sinto-me estranho, quase triste como lá.

Sem comentários: