ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
Sei por mim que quem não quer ser encontrado não o é, já desapareci por muito tempo sem dar pista onde estava e como morto era a forma como melhor quería que me achassem, não sei de que me queixo agora se ela não quer ser encontrada, deve saber que a quero, sabe que não me quer. Tenho de parar com isto, com esta loucura e esta fome há-de passar, tudo passa e tudo se esquece. Com a janela aberta e a noite a entrar, devagar, devagarinho a encher a sala e os meus pulmões e as minhas lembranças sinto os tectos a ruír com os sons das vozes que tagarelam sozinhos por aqui à espera da minha resposta, quantos, quantas perguntas e quantos pedidos e eu mudo de língua encostada ao céu da boca e cotovelos no parapeito à espera do embate do azul veludo e da porta a fechar-se estrondosamente na fúria do adeus, depois os saltos na escada de madeira e finalmente a descida repicada a travar a calçada escorregadia, por vezes um olhar último à janela à espera do meu sinal doutras só a raiva a ajudar até ao fundo da rua. Mas eu, eu e sempre eu, eu sempre estive acompanhado, já a noite se instalara ao meu lado a acariciar-me e todos sons a irem-se eram o meu bem maior.

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