ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
O mal dos reencontros é que se desfaz  muito do que se fabricou na imaginação, na minha imaginação a ruiva continuava morena e tudo prosseguía no ponto onde tinhamos ficado. Não exactamente onde tinhamos parado, porque nessa altura já ela tinha desaparecido sabe-se lá para onde porque eu não lhe dizía o que ela quería ouvir, mas devería voltar agora sequiosa e madura e sem se importar com palavras que não acrescentam nada à convivência. Afinal regressa mais exigente, mais dominadora, manipuladora e de cabeça encarnada. Só lhe deixava aquele fogo com que me entrava em casa e me amarinhava sem dar tempo a largar o estirador, encostar a janela sem se ralar com a vizinha, vinha com ela fisgada, não passavamos da ombreira da porta, bons tempos. Antes tivessemos permanecido na vontade de nos reencontrarmos sem acontecer, agora a recordação que tenho é uma bebedeira monumental. Estou bem sózinho, muito bem. A noite consolida o que o dia quebrou como uma cola imperceptível e um pouco antes dela entrar pela minha casa para reparar tudo o que me lembro hei-de apanhar os bocados que espalhei de mim antes da morena ter desaparecido da minha vida.

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