Dou comigo a pegar no esboço da puta vezes sem conta, demasiadas vezes, sinto-lhe prazer nas linhas hesitantes e sem treino, não o quis levar. Da maneira que lhe falei será tudo o que resta dela, nunca mais há-de voltar e no entanto sou capaz de a desenhar de olhos fechados, à medida que os dias e as horas passam há relevos na memória que se evidenciam por demais e o traço apruma-se, é como andar de bicicleta, depois de sabermos por muito tempo que passe é só uma questão de retomar o equilíbrio. Atiro com a folha para cima do trabalho para tapar o que já devía estar terminado e fecho a porta, abalo-me até ao tasco, pergunto ao dono se conhece a puta dos chinelos, nunca viu tal pessoa. Os outros velhotes também não, nem com outras descrições, falo do cabelo muito rente, nada, nada, o taberneiro diz que deve ser uma das minhas bonecadas e todos riem, não acho piada nenhuma porque sei que ela existe mesmo. Apetece-me chateá-lo por vingança, pergunto-lhe pela mulher a dias, palita os dentes e responde que não há nada, os mesmos sons das pedras de dominó batidas nos tampos de mármore das pequenas mesas irritam-me, começa a chover copiosamente e vejo-a a passar descalça em frente da porta da tasca.
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