ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
Abalo-me rua abaixo direitinho à taberna, se há sitio que me possa valer é aqui, se há gajo que sabe onde posso arranjar uma mulher que vá limpar a minha casa é aqui. Mas o homem está mal disposto, parece que não me portei muito bem, uma série de acusações que não me apetece ouvir porque estou de ressaca e a pior coisa que se pode fazer a um homem mamado é atirar-lhe com estas merdas à cara. Fala, fala e vai agitando o pano de quadrados que prende à cinta, que desprende, que prende. Dou meia-volta, não me apetece. Ultimamente é isto. Toda a gente se acha no direito de me dar lições de moral a qualquer hora do dia e em qualquer lugar. Começo a subir a calçada e ouço chamar por mim, é ele, vem atrás de mim. Traz os meus óculos de ver ao perto na mão. Regresso com ele para o escuro do tasco, a luz do dia faz-me confusão. Peço um café, uma água com gás, uma pistola. Fica a olhar para mim com o pano no ar. Nem me dou ao trabalho de explicar, sinto que tería de voltar a subir a rua rapidamente e agora não me apetece, não tenho força nas pernas. Falo-lhe da minha necessidade de encontrar uma mulher a dias, diz que vai ver e dá-me um sebastião com um liquido esverdinhado mal-cheiroso. Aponta e ordena que beba. Estou perdido, não tenho nada a perder. Antes que a noite chegue muito há-de chegar e eu daqui não saio.

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