ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
Olho para ela enquanto ela olha não sei para onde sentada no parapeito da janela como se o cavalgasse, uma perna para dentro e a outra para lá e as costas ligeiramente amarrecadas, traço no papel as linhas do contorno do seu corpo esguio, mais distantes os telhados avistados e mais perto o sofá, a mesinha. Estás imóvel como se soubesses que te desenho e balouças a perna a dar sinal de vida, os riscos saiem-me como há muito imagino, os trabalhos que tenho feito afinal não me atrofiaram a mão, não te mexas por favor nem um milímetro é só o que peço mas não lhe digo nada se lhe disser é capaz de saltar dali ou voar só para me contrariar ou porque não quer sei lá, eu quero é marcar-te no papel, tenho a certeza que se te desenhar não foges e esta é a beleza do instante, a inquietação. Olhas para mim e sorris não sei porquê, páro a mão pouso o lápis fico com medo. Vens até mim, abraças-me e dizes baixinho ao meu ouvido diz-me que não me mandas embora e eu não vou embora nunca mais.

Sem comentários: