ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
O tapete está limpo, nem uma mancha azulada a lembrar as pegadas dela ou pista que recorde que ela tenha estado aqui e que tivéssemos sido naquele dia dissolução de tinta em água perdida de pincel, uma agitação da memória, tudo se foi, o tapete está limpo e nada há para comparar tamanhos de pés, o meu ao lado do dela descalço e a fome insaciável que me come por dentro, talvez a russa me consiga limpar a lembrança de ti e também de mim e me dê fastio, até lá ajoelho-me e procuro entre fibras do tapete vestígios do que fomos em azul, animal que cata e nada acha para se alimentar... E no entanto, continuas tão viva e salgada na minha boca como naquele dia. A russa tinha razão, não é preciso esquecer. Só porque agora é dia não esqueço que a noite há-de retornar então porque tu haverias de te apagar em mim? Nunca.

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