ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
Estou à janela e lembro de há uns anos estar aqui com uma outra, ela de cravo de papel agitadíssima e sem saber nada de revoluções, nascida antes dela eu divertido da ignorância dela e depois nauseado da parvoíce dela. Há quanto tempo foi isso... Agora à janela só, ainda só, tanto quanto estava naquele ano, a ver a vizinhança descer a rua de cravo ao peito, cravo de carne e com perfume e a dizerem-me adeus e a perguntarem-me a este alto se eu não vou à manif, não não vou, nunca fui dessas coisas, a multidão faz-me sentir solitário. Ou talvez eu esteja descrente de revoluções porque os cravos se fizeram de papel, sem perfume e sem perguntas. Vou ficar por aqui à espera da noite. Quem sabe me traz respostas.

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