ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
Ainda mal tinha rodado a chave na porta já estava a vizinha a perguntar se era eu. Quem havía de ser, só se fosse alguém a assaltar-me, mas não lhe disse, quería dar-me um recado sobre a minha noiva que tinha cá vindo e que até tinha ficado muito contente passado tanto tempo ainda estarmos juntos, coitadinha, isso é que ela tinha chorado que nem uma madalena quando o vizinho estava para fora. Fico sempre aturdido com a conversa desta mulher. As informações desenrolam-se a um nível e velocidades que sou incapaz de acompanhar. Tive que pedir que repetisse e por partes. Que noiva, que choradeira? A minha, a dela claro. Fartou-se de chorar quando cá veio e eu não estava. Claro que não estava, pois se estive vários anos fora e se não tenho noiva, só pode ter chorado e a seguir quem chora sou eu porque estou a ficar doido com este recado! Decido fingir que percebi para me ver livre da vizinha e meter-me em casa. Abro a janela. O dia está alto. Tudo se junta como pedaços espalhados. Hoje vai demorar muito até a noite descer sobre mim.

Sem comentários: