ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
De ontem nem um pio, restam as pétalas serrilhadas com que te ocupaste no tempo a arrancar, sangram entre os borbotos do tapete, o pé partido pelos minutos que duraram a tua distracção. Nestas alturas penso no fosso que nos separa e nos aproxima, não consigo achar respostas, olho-te e procuro-as, tu olhas-me e perguntas-me o que acho. Sobre o quê? Aborreces-te, sai disparada a acusação de que não te ouço, que assim é impossível, o quê? Mais impossível do que nós é impossível e cá estamos, de alguma maneira lá nos arranjamos e fazemos a ponte para nos encontrarmos. A seguir vais amuar, depois esperas que eu tenha o gesto idêntico a um pedido de desculpas, encostas a cabeça ao meu peito, elevas-te no bico dos pés, o sermão nas palavras pequeninas, o biquinho a apetecer ser sugado, dás ao corpo curtos movimentos de lá para cá, as pétalas espetadas nos saltos, é isto tudo que há-de acontecer exactamente por esta ordem. Surpresas só quando o dia sangrar até se esvaír na noite.

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