O telefone, o telefone, onde está o telefone, odeio telefones, odeio ser acordado pelo telefone, estou enjoado, dói-me a barriga e a cabeça, e o telefone que não se cala. Surpresa: és tu, pensei que isto tinha ficado arrumado de vez, não tenho estaleca para as coisas que se arrastam e não me apetece mais falar contigo nem saber da tua vida nem remoer sobre coisas que eu não disse, já sei que o vais dizer, até morres se não o disseres, mudas de táctica, pedes a escova de dentes, qual escova de dentes, parece-me tudo sórdido neste despertar, devo estar a ter um pesadelo e misturo tudo, o passado recente e a bebedeira que ainda não se evaporou, insistes na escova de dentes que eu atirei para o lixo, digo-to, gritas, corro para a casa de banho e vomito, sinto-me aliviado, cansado e descansado por ter deitado fora o que me ía nas entranhas da alma. Antes que a noite chegue eu alcanço-a.
1 comentário:
Também odeio ser acordada. Então por telefones...
(Será que não sabes que há mulheres para as quais os assuntos só estarão arrumados de vez se forem elas a arrumá-los? lol E para isso necessitam de esclarecimentos que a maioria dos homens acha desnecessários. Ou então pensam já ter esclarecido. Depois...Nós somos muito persistentes. Pelos vistos até à agonia. Mas o vómito foi da bebedeira da noite anterior. O espelho bem te disse... :-))
O comentário vai longo e espero que não te enjoes. Não resisto a deixar aqui um apontamento que acho delicioso. Depois me dirás (se assim o entenderes):
"Deve- se estar sempre bêbado.
É a única questão.
Afim de não se sentir o fardo horrível do tempo, que parte tuas espáduas e te dobra sobre a terra. É preciso te embriagares
sem trégua.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude?
A teu gosto mas embriaga-te.
E se alguma vez sobre os degraus de um palácio, sobre a verde relva de uma vala, na sombria solidão de teu quarto, tu te encontras com a embriaguez já minorada ou finda, peça ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo aquilo que gira, a tudo aquilo que voa, a tudo aquilo que canta, a tudo aquilo que fala, a tudo aquilo que geme. Pergunte que horas são.
E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio, te responderão.
É hora de se embriagar !!!
Para não ser como os escravos martirizados do tempo, embriaga-te.
Embriaga-te sem cessar.
De vinho, de poesia ou de virtude. A teu gosto..."
(Charles Baudelaire)
Beijos de noite violeta do outro lado do espelho em aromas de um chá à tua escolha no deserto que amo.
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