ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
Os nós dos dedos muito leves na madeira da porta. Fico sobressaltado, serás tu, não te ouvi os passos, ainda me recordo dos teus saltos como castanholas que adivinhavam o teu humor e me consentíam estar preparado para o que aí vinha. Agora não sei, apanhas-me de surpresa, os anos passaram e sinto-me como um rato que farejou o odor do queijo e desprevenido se deixou entalar na ratoeira. De novo o toque na porta quase como um raspar a pedir para entrar com muito cuidado. E se eu fizer de conta que não estou, sustenho a respiração, engulo em seco, tenho a certeza que ouviste eu a engolir em seco e que até consegues ouvir as pancadas que o meu coração dá contra os ossos do tórax, isto é tão estúpido, um homem como eu a fingir dentro da sua própria casa que não está em casa. Levanto-me devagar do banco alto do estirador e como um gato caminho até à porta. O sobrado estala e trai-me, as casas velhas são as pessoas que nelas moram, não posso evitar abrir a porta e ver-te. Escancaro a porta. É a prostituta dos chinelos.

1 comentário:

AnaMar (pseudónimo) disse...

Feliz pelo regresso.
(Não sou a vizinha que te pergunta se és tu:-)

Sejas quem fores (e tenho uma imaginação fértil) não (me) interessa. Apenas importa o que escreves....antes que a noite caia.
:-D

(fiquei infantilmente contente com o regresso da tua escrita. de tal modo que publiquei o link deste bolgue no mural do meu fb - pois este blogue é um dos muitos-mais-que-tudo, de entre os blogues :-)