ANTES QUE A NOITE CHEGUE

(SOLILÓQUIOS E METAMORFOSES)
De inicio a russa vinha uma vez por semana mas depois começou a deixar-me comida preparada, roupa passada e tive que ajustar o contrato, tudo de boca claro mas não me sentía à vontade estar a pagar-lhe menos do que ela fazia. Agora está cá em casa três dias por semana à escolha dela, vem quando acha que deve vir, não me importuna com conversas e responde quando lhe faço perguntas sem andar com rodeios. Por isso quando hoje de manhã me disse que o tapete devería ser limpo não me zanguei. Também não lhe respondi. Tirou uma garrafa de um saco de plástico, serviu dois copos, fechou a janela e disse senta e sentou-se. Senhor não tem que esquecer, disse ela com a voz de caramelo e como eu não me tinha mexido do sitio ela levantou-se, trouxe o copo até à minha mão e bebeu de um trago. Eu fiz o mesmo. Até as lágrimas me vieram aos olhos, isto é álcool puro porra! Queres matar-me? Bebe, muito bom e bateu-me no peito com palmadinhas que ressoaram, senti um incêndio, mas logo a seguir passou e soube bem, muito bem. O que é isto? Senta, senta e voltou para a cadeira. Sentei-me e avancei o copo para mais um, o que eu preciso é de esquecer, ela abana a cabeça, nunca senhor, nunca esquecer...

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